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Clare Torry |
Em determinado momento da sua carreira, os Pink Floyd começaram a desenvolver uma peça originalmente intitulada «The Mortality Sequence», uma composição concebida em torno do tema da morte. Esta versão inicial chegou a ser apresentada ao vivo em 1972, com excertos de leituras bíblicas e discursos filosóficos, refletindo o ambiente sombrio e existencial que a banda pretendia transmitir.
Contudo, à medida que a música evoluiu em estúdio, foi ganhando uma identidade própria e uma força inesperada, acabando por se transformar numa das faixas mais emblemáticas de The Dark Side of the Moon (1973). Ironicamente, a sua sonoridade intensa e emotiva levou a que, durante algum tempo, fosse utilizada em canais de televisão destinados ao público adulto, devido ao seu carácter evocativo e sensual.
A busca por uma voz
A intenção inicial da banda era incluir vocais na peça, mas não havia uma letra escrita para ela. O resultado final ficaria conhecido como «The Great Gig in the Sky». Em determinado momento, consideraram convidar Cathy Berberian, uma prestigiada cantora ligada ao movimento avant-garde, mas a colaboração não chegou a concretizar-se.
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Clare Torry |
Foi então o produtor Alan Parsons quem sugeriu recorrer a uma cantora de sessão de estúdio. A escolhida foi Clare Torry, uma vocalista praticamente desconhecida na época, que viria a protagonizar um dos momentos mais memoráveis da história do rock. No estúdio, após ouvir os acordes compostos por Richard Wright, Torry foi simplesmente incentivada a improvisar. O que se seguiu foi notável: numa única sessão, a cantora libertou uma interpretação visceral, carregada de emoção, onde a sua voz substituiu a letra e tornou-se no verdadeiro instrumento principal da faixa.
A própria Torry confessaria mais tarde que se sentiu exposta e vulnerável durante a gravação, mas o resultado foi tão poderoso que deixou a banda em absoluto silêncio e admiração. Os seus vocais improvisados acabaram por definir a identidade da música, transformando-a num momento quase transcendental.
Reconhecimento tardio, mas merecido
Apesar disso, Clare Torry recebeu apenas o pagamento normal de 30 libras pela sessão e não foi inicialmente creditada. Décadas mais tarde, reconhecendo a dimensão criativa da sua contribuição — que não só interpretou, mas ajudou a compor a melodia vocal da faixa —, Torry moveu uma ação legal contra a banda. Em 2005, chegou a um acordo extrajudicial que a reconheceu oficialmente como co-autora de «The Great Gig in the Sky», ao lado de Richard Wright.
Hoje, a contribuição de Clare Torry é celebrada como absolutamente essencial para a imortalidade de uma das canções mais icónicas dos Pink Floyd e do rock progressivo. A sua voz tornou-se sinónimo da expressão humana perante a finitude, ecoando o espírito existencial de The Dark Side of the Moon, um dos álbuns mais influentes e vendidos da história da música.