![]() |
| Foto: Anna Shvets |
Empresas propõem fazer música através de IA. Editoras alegam ilegitimidade no processo e procuram compensação monetária. Artistas temem ser relegados para segundo plano.
Se fizermos uma música através de Inteligência Artificial (IA), quem tem direitos sobre essa música? O artista, a plataforma AI que produziu a música, o criador dos dados onde essa IA foi treinada? Quem? E como é que as receitas produzidas por estes serviços são distribuídas?
Estas são algumas das questões pertinentes acerca da indústria da música na era da inteligência artificial e que têm efeitos diretos sobre quem produz arte. A nova vaga de IA na música atingiu um nível viral. O conteúdo produzido com assistência artificial espalha-se nas plataformas de streaming, donde resulta a maior parte da receita da indústria (84% do mercado norte-americano, de acordo com dados publicados pela associação discográfica americana RIAA, Record Industry Association of America), e traz a público a questão da falta de transparência sobre que conteúdo é usado e de que forma os criadores são compensados.
Suno e Udio
Plataformas como a Suno e a Udio começaram a aparecer em força em 2024 e a grande novidade proposta por este tipo de empresas foi a criação de música a partir de um serviço online que usa inteligência artificial. Um serviço que levanta problemas sobre o uso ilegal de conteúdo protegido por direitos de autor e cuja problemática está a resultar numa chuva de processos legais em todo o mundo, como de resto já tinha acontecido com as plataformas de criação de texto e imagens através de modelos de IA.
Ambas as empresas receberam investimento vindo de empresas de capital de risco na ordem dos milhões e a Suno está avaliada em 2 mil milhões de dólares, de acordo com informações públicas.
Uso justo (fair use) e o caso Anthropic
Tal como aconteceu com serviços análogos ligados à produção de texto, como é exemplo o Claude, da Anthropic, as empresas disponibilizaram o serviço ao público praticamente sem consultar os organismos e os autores que detêm os direitos e a propriedade intelectual dos conteúdos usados para treinar os modelos de IA.
A Suno e a Udio alegam, tal como a Anthropic, ter treinado os modelos de IA seguindo o critério do uso justo ("fair use").
O problema é que apesar do "uso justo" ter sido um argumento considerado válido em tribunal, foi feito de uma forma ilegítima, de acordo com o que determinou a justiça norte-americana no caso Anthropic.
A empresa usou bases de dados online (como a Biblioteca Genesis e a Pirate Library Mirror), que disponibilizam gratuitamente obras sobre as quais existem direitos de autor, para treinar os seus modelos de IA. O mesmo acontece com a Suno e da Udio e, através da associação discográfica americana RIAA (Record Industry Association of America), a Sony, a Universal Music Group e a Warner Music Group estão a discutir em tribunal com as referidas plataformas.
Tal como no caso Anthropic, a RIAA acusa as plataformas de ilegitimidade dado que descarregaram ilegalmente conteúdo musical de sites como o Youtube para treinar os seus modelos de IA.
No caso da Anthropic, as partes parecem querer chegar a acordo e a justiça americana já deu luz verde para tal. A ser consumado, será um dos maiores a ser celebrado no setor por causa dos valores envolvidos: a justiça estabeleceu que a Anthropic terá de pagar um mínimo de 1.500 milhões no processo.
Porém, muitos autores receiam não poder sequer argumentar legalmente dado que as obras passíveis de ressarcimento têm de preencher uma série de critérios, como por exemplo ter um código ISBN, entre outros. Esta é também a preocupação partilhada pelos artistas da área da música.
"O maior furto da história da Música"
Além da associação discográfica americana, a dinamarquesa KODA, uma organização que zela pelos direitos de autor, também processou a Suno e acusou publicamente a empresa de perpetrar "o maior furto da história da música".
A organização demonstra no seu site algumas dessas apropriações ilegítimas, passo por passo, e um dos exemplos está relacionado com Barbie Girl, do grupo pop dinamarquês e norueguês Aqua.
Para a Koda, quando serviços de IA usam música sem permissão e sem pagar, tal comportamento põe em causa as fundações económicas e financeiras da música, uma arte com um papel importante na cultura partilhada na sociedade.
Entretanto, recentemente, o grupo Universal Music chegou a acordo com a Udio e, conjuntamente, anunciaram a nova plataforma de criação musical que, segundo a editora, compensará e respeitará os direitos dos artistas.
Já em Outubro de 2025 uma sociedade sueca que representa artistas (Swedish Performing Rights Society) afirmou ter sido a primeira a celebrar um acordo de licenciamento com uma empresa de música e IA, a Songfox, uma start-up de Estocolmo. Através da parceria, a Songfox permite criar composições geradas por IA de modo legítimo.
A instituição sueca argumenta que o acordo permitirá auditar receitas em tempo real, além de ajudar a resolver um dos maiores problemas que afetam a confiança no setor da música e da IA: o da falta de transparência sobre que conteúdo é usado e de que forma os criadores são compensados.
E os concertos ao vivo?
Com esta vaga de IA na música, é legítimo questionar se os concertos ao vivo vão continuar a ser desempenhados por artistas em carne e osso.
Um exemplo no qual os artistas marcam presença através de imagens geradas por computador (CGI), mas estão fisicamente ausentes, é a Abba Voyage, uma série de espetáculos para a qual os elementos originais colaboraram e que se realizará até maio de 2026 na Arena Abba, em Londres, um recinto construído propositadamente para o efeito.
Outro é o dos concertos póstumos. Um dos primeiros do género foi o de Tupac Shakur, em 2012, no festival Coachella, na Califórnia, para o qual a produção usou hologramas. Na mesma linha, mas com tecnologia mais avançada, podemos assinalar o espetáculo Elvis Evolution, de 2025, onde a produção usa várias tecnologias, incluindo IA generativa.
O conceito de "banda virtual" foi popularizado no ano 2000 com os Gorillaz, mas não podemos esquecer a febre dos ídolos virtuais, que originou no Japão nos anos 80, onde espetadores fruem concertos desempenhados por avatars, intérpretes de natureza puramente digital.
Além disso, é a produção de concertos ao vivo que usa cada vez mais IA: nos jogos de luz, nos efeitos visuais, etc., uma tendência que a indústria prevê aumentar nos próximos anos.

